28 setembro 2011

DNJ: A MARCHA COMO LUGAR TEOLÓGICO!‏

No próximo dia 30/10 celebraremos mais um Dia Nacional da Juventude (DNJ). Estaremos refletindo sobre o tema do DNJ desde os encontros de preparação que acontecem a partir do dia 01/10 nas regiões episcopais, e teremos a culminância disto no último domingo de outubro, no bairro da Terra Firme. E que bom que será lá. Este ano, o tema da maior celebração das PJs do Brasil é "Juventude e Protagonismo Feminino" e o lema é "Jovens Mulheres Tecendo Relações de Vida". Dentro da programação, teremos a marcha da juventude pelo bairro da TF, depois teremos Missa e show cultural. No entanto, escrevo o presente mesmo é pra falar da marcha, o que talvez, nesta atual geração de PJoteiras e PJoteiros, seja o que há de menor compreensão, dado alguns "desencontros" que ocorreram na última, no ótimo DNJ da Cabanagem em 2010.

Talvez, a dificuldade em compreender o "tom" adequado da marcha seja a mesma que a atual geração, mais voltada a espiritualidade, em compreender a diferença entre louvor/reza/meditação e espiritualidade. Pois, louvor/reza/meditação são parte da espiritualidade cristã, mas não a única parte, e muito menos a mais difícil. A espiritualidade verdadeira, é como pudemos ver no evangelho do último domingo, 25, quando o Senhor nos leva a refletir sobre quem é na verdade o melhor discípulo, aquele que diz que faz ou aquele que faz (Mt 21, 28-32)? Quando marchamos, e dizemos que naquele momento não é situação adequada para cantos de louvor e sim momento de levar o evangelho encarnado á comunidade através de reflexões que apontam injustiças, não estamos negando o Santo Evangelho, ao contrário, estamos dizendo sim a Deus com gestos concretos, com atos (Tg 2:24). É importante lembrar, que em todo DNJ dizemos que é imprescindível a marcha, a Missa e o show cultural, pois, entendemos que a juventude é capaz de agir, celebrar e louvar/festejar; não aceitamos a tese de que jovem tem que ir a Igreja somente pra ficar cantando e dançando, pois, se somos convidados a ser sal e luz (Mt 5, 13-16), não é numa panela temperada (num salão cheio de católicos convertidos por exemplo) nem tão pouco no meio de um lugar iluminado (como num louvor com católicos devotos) que faremos maior diferença, e sim num lugar insosso, escuro. É ali que temos de estar. A marcha, portanto, é um lugar teológico, e portanto, um momento que faz parte de nossa espiritualidade, da mesma forma que os louvores, a Missa, pois, como sabemos, "tudo que respira canta glórias ao senhor", e jovens cristãos denunciando injustiças, a violência, cantam, sim, glórias ao Senhor sem necessariamente precisar proferir palavras como "meu Deus, meu Deus" (Mt 7:21).

Por que marcharemos na Terra Firme?

A Leitura de orientação ao DNJ 2011 é o trecho do Evangelho de São João que narra a história da Samaritana (Jo 4, 7-15). Nada mais adequada num DNJ que refletiremos sobre a opressão contra a mulher. O texto apresenta uma profundidade teológica que não poderia abordar com mais complexidade no espaço que me proponho a escrever, mesmo porque não teria conteúdo para tal, mas gostaria de abordar aqui alguns aspectos que possam nos ajudar a vivenciar a marcha do próximo dia 30/10 com mais verdade e intensidade.

Hora, a Samaritana, para os judeus, valia menos do que uma vadia para nós, menos do que uma mulher homossexual, menos do que uma escrava negra, menos do que a mulher que apanha, que é engravidada e largada a própria sorte, diria até que valia menos do que uma mulher que aborta. Por ser samaritana, e carregar o estigma de pertencer a uma "raça" que se aliara aos pecaminosos babilônios no passado, os Samaritanos não mereciam nem a palavra do judeu, nem se quer a atenção, muito menos uma MULHER samaritana, pois como sabemos, as mulheres historicamente, a partir de um dado momento da história passaram a serem vistas como inferiores, e o eram também para os judeus. Portanto, Jesus transgride uma lei, uma ordem superior ao falar com a Samaritana, e ao chegar junto dela, ele não chega oferecendo, ao contrário, chega pedindo água, pois estava com sede.

Neste último trecho que comento, gostaria de trazer à tona o sentido da marcha que faremos: ela não começa lá, nem termina lá. Marcharemos, porque sabemos onde chegar, e, principalmente porque sabemos de onde viemos. Na verdade, a marcha da Terra Firme, é o lugar onde beberemos da fonte, onde encontraremos com pessoas ditas como inferiores, estigmatizada como ralé, ladrões, com mulheres viúvas, quiçá com prostitutas, a marcha na TF, portanto, é onde beberemos do próprio poço cristão de solidariedade infinita, e nos fortaleceremos na fé e na vida como pessoas saciadas. É onde encontraremos várias "cristos" crucificadas, seja pelo machismo, seja pela etno-fobia, e as faremos todo esforço de descê-las da cruz. A Samária nossa, será a Terra Firme, dia 30, uma passagem necessária, como foi para Jesus. Jesus tinha que passar por lá para chegar a Galileia (seu destino), não podia fugir de lá, assim como nós também não podemos fingir que excluídos existem, e, assim como Jesus, seremos convidados a reconhecer nas pessoas tidas como inferiores de lá, o rosto do divino, nem que tenhamos que transgredir as regras da sociedade padronizada capitalista.

Assim como narra o Evangelho, a mulher que recebe o pedido, se espanta com a maravilha da bondade do senhor, e depois acaba sendo a mulher que pede, que quer beber da fonte de vida eterna. Não seremos nós a achar que estaremos lá para dar, e sim, para nos colocarmos também no lugar da Samaritana, e querer beber da Água Viva. Quando estivermos na rua, com microfone em punho, denunciando, falando às irmãs e aos irmãos da Terra Firme como quem fala com qualquer irmã e qualquer irmão, estaremos dando e recebendo, pedindo e sendo saciados. A mulher não se surpreendeu quando o homem galileu desconhecido disse que era a água viva, pois, no gesto de humildade e transgressão de pedir água a uma "impura" já havia demonstrado quem verdadeiramente era. Assim mesmo nós somos convidados a ser. Na marcha, pode haver protestantes, umbandistas, budistas ou mesmo ateus que nos ouvem, portanto, a marcha é um lugar plural, pra dialogar com todas e todos de uma forma que compreendam que Deus quer que elas e eles vivam plenamente (Jo 10:10), e evangelizaremos por nosso ato de solidariedade, de estar ali pedindo que saciem nossa sede de sermos ouvidos, antes de querer que nos vejam oferecer. Precisamos ganhar o respeito, pedir licença pra entrar antes que queiramos ter a pretensão de salvar alguém.

A marcha, portanto, será um lugar teológico. Pleno. Sagrado. Desde que, compreendamos que não somos convidados a enjaular Deus em nossos cânticos, em nossas preces, em nossos "eleitos". A marcha é espaço de mostrar, através de nossos atos, através de nossas denúncias, de nossa transgressão que Deus não só é de todas/os, como ele é antes daquelas e daqueles que são consideradas/os indignas e indignos.

Eraldo Paulino - Acadêmico de Jornalismo | Assessoria da PJA