10 junho 2009

PASTORAL DO/A VAGABUNDO/A



Eraldo Junior

Todos temos que estudar e trabalhar para ganharmos nosso dinheiro – não necessariamente nessa ordem. Foi-nos vendida a idéia de que quanto mais dinheiro tivermos, mais felizes seremos, pois tudo o que traz felicidade precisa ser comprado, e trabalho voluntário passou a ser encarado como um passa-tempo de quem “não tem nada melhor pra fazer”. Vi muitos/as companheiros/as de talento largarem o trabalho pastoral porque passaram no vestibular ou porque arrumaram emprego, ou estavam trabalhando e estudando; e toda vez que isso acontecia eu me perguntava: será que só pode desempenhar um bom trabalho pastoral quem é vagabundo?

Para responder a essa pergunta, eu comecei a observar as pessoas. Há dois anos atrás a coordenação paroquial da Pastoral da Juventude de Cristo Rei desempenhou um trabalho pífio, a ponto de quase acabar um trabalho de anos de articulação. Quase tudo ficou abandonado, e quando questionados/as sobre o porquê da inoperância, a justificativa pairava sempre por esse caminho: hoje em dia temos que estudar, trabalhar, namorar, etc.

Como assim? Quer dizer que os jovens de dez anos atrás não tinham que estudar, trabalhar, namorar?

Tinham. Respondeu pra mim certa vez a companheira Sheila Costa, militante da PJ, mas segundo ela e outros militantes contemporâneos a ela, a juventude era bem mais romântica (idealista) do que hoje, e questões mais particulares eram subjugadas em detrimento de um ideal coletivo. Alguns militantes se queixam de ter dedicado quase a vida toda pra pastoral sem ligar muito para os estudos, para uma vida profissional sólida, e hoje estão tendo que recuperar o “tempo perdido”. Nunca ouvi de ninguém a palavra arrependimento, mas quase todos foram enfáticos em reconhecer que hoje em dia esse tipo de atitude não cabe mais, é um sacrifício desnecessário.

Mas então hoje em dia as pessoas não levam tão a sério o trabalho pastoral para não repetir os excessos da galera antiga?

Não! Quase me gritaram os intelectuais humanistas do nosso tempo. Percebi que há muito mais elementos em torno dessa questão para darmos uma resposta tão simplista assim. Mas antes de tratar dos agentes influenciadores da visão pouco romântica de pastoral da atualidade, eu gostaria de dar minha opinião sobre o comportamento dos militantes que tanto me inspiraram.

Alguns dizem que essas pessoas foram radicais demais. Hora, ser radical é ruim? Acho preocupante quando um cristão condena os/as radicais, porque a palavra “radical” etimologicamente tem origem na palavra raiz. Certa vez o companheiro Juarez Frós – um dos militantes mais pungentes que Cristo Rei já teve – falava sobre espiritualidade e comparava justamente espiritualidade com uma planta. Dizia que a nossa espiritualidade é como uma planta com raízes firmes, pois quando nossa espiritualidade está fortificada somos como uma planta bem enraizada que resiste a qualquer vendaval, a qualquer tempestade. Então ser radical não é ruim, ao contrário. Radical foi Irmã Dorothy que leu a bíblia para seu assassino na hora de sua morte, radical foi Dom Oscar Romero que também deu sua vida pelo povo, radical foi Ghandi que fez revolução na Índia sem nem uma arma, radical, portanto, foi Jesus Cristo que deu sua vida por nós. Se um dia me chamarem de radical, ficarei lisonjeado.

Agora retomando ao verdadeiro porquê de pessoas hoje não terem mais apreço pelo trabalho pastoral do que pelo seu próprio umbigo, vamos nos deparar com um palavrão: pós-modernidade. E para entendermos mais ou menos o que vem a ser isso, precisamos fazer a recapitulação de alguns fatores determinantes dessa era transitória em que vivemos. Vamos tratar rápida e superficialmente sobre três aspectos da pós-modernidade para iluminar nossa discussão: o retorno ao sagrado, o egoísmo e a subjetividade.

- Retorno ao sagrado

A modernidade surge basicamente negando a religião, mais especificamente o cristianismo, e principalmente o catolicismo inclusive. A igreja defendia que nós, seres humanos, somos seres limitados que só podem alcançar a verdade através de Deus. Portanto, só através da religião (palavra que significa religar) poderíamos ser pessoas plenas. Aí os iluministas vem e basicamente perguntam: “vem cá, a verdade está de fato com Deus ou com o clero ‘bobinho’ que fala em nome Dele”?

Resultado: a modernidade passa a encarar a religião como uma forma de dominação, como uma forma de ludibriar o povo da verdade, por isso religião é para Karl Marx o ópio do povo. Sai, portanto, o Teocentrismo, (Deus – clero - como centro de tudo) e passa a vigorar o antropocentrismo (hoemem – ciência – como centro de tudo). E o homem passou a negar sua espiritualidade.

Resultado disso? Guerras, ganância, armas nucleares, ausência de ética e moral, sistema capitalista, e outras “maravilhas” jamais vista com tamanha grandiosidade. A fé cristã da idade media negava a razão (Galileu que o diga) e a razão moderna negava a fé. Se antes tínhamos uma humanidade idiotizada passamos a ter, portanto, uma humanidade idiotizante; e esse oito ou oitenta entre fé e razão está ocorrendo agora de novo. O retorno ao sagrado consiste, portanto, da negação novamente da razão e a volta de aproveitadores (neo-pentecostalismo – inclusive católico) que se beneficiam agora da “derrota” da razão que não conseguiu impedir tanta fome, Tanta opressão, tanta desigualdade.

Em outras palavras, retorno ao sagrado é fruto do desespero gerado pelo vazio existencial de uma vida sem espiritualidade. Esse vazio é aproveitado por abutres que se aproveitam de carniças espirituais para ganharem dinheiro e status.

- Egoísmo

Isso funciona basicamente assim: temos um sistema que nos diz todos os dias que o outro é nosso adversário, seja no vestibular, seja na procura por um emprego, seja na procura por um amor, seja pra ver quem é mais bonito, seja no raio que for. Somos bombardeados desde que nascemos com a informação de que temos que ser melhorers que o outro, porque o outro é nosso adversário. Adivinhem o que acontece? Acreditamos.

Então vivemos uma vida que deve girar em torno de nossa satisfação pessoal. Fazendo o link com a discussão sobre o retorno ao sagrado, nós observamos o abutrismo dos aproveitadores da fé alheia. Reparem que as letras das músicas neo-petencostais falam muito EU, PRA MIM, MEU DEUS, MEU PAI, MEU PAI DO CÉU. E o nós? Cadê nós? Nos ambientes religiosos que massificam hoje em dia geralmente fica uma multidão reunida orando, pulando e tal, e sabe o que o/a animador/a fala? “fechem os olhos, imaginem-se SÓS, esquece quem está do seu lado, Deus está querendo TE tocar, TE salvar”.

O egoísmo, portanto, é fruto da coisificação e demonização do outro. O sistema capitalista prega que devemos ser individualistas para podermos ser melhores, ter mais dinheiro, mais status, mais salvação; e esse sentimento de competitividade faz com que nos fechemos em nós mesmos. O egoísmo, aliás, é uma das coisas que a pós-modernidade não negou da modernidade, mas no contexto do Brasil, no final do outro e início deste novo milênio, esses efeitos chegaram de vez com a consolidação das políticas neoliberais nos governos FHC e Lula.

- Subjetividade

Se na década de sessenta uma pessoa não estivesse contra a ditadura, essa com certeza seria rotulado de peleg – até com certa razão. E hoje em dia, quem não faz reuniões partidárias, quem não se considera comunista pode ser taxado de pelego? Acredito que não. Aliás, acho que se alguma pessoa hoje em dia for chamada de pelego, é capaz de ela agradecer o elogio, tão alienígena que essa palavra é hoje em dia.

Na modernidade nós tivemos o advento das ciências, e isso fez com que nós tivéssemos sempre claros os papeis, ou seja, ou você era comunista ou era capitalista, ou era feminista ou era machista, ou você era punk ou era skinhead, etc. Mas esses muros caíram praticamente todos junto com o muro de Berlin, e temos na atualidade uma visão mais subjetiva da realidade.

Isso não quer dizer que sejamos melhores ou piores do que as outras gerações, mas muito do que foi programado e disputado se dissolveu. Então se foi perdendo o encanto por essa maneira de ser mais objetiva. Olhando por esse prisma até parece natural que isso ocorra, pois, por exemplo, com o fracasso das experiências socialistas quem pode botar fé hoje em dia no socialismo? Com tamanha destruição do mundo, como podemos botar fé no capitalismo?

Então essa fase transitória chamada pós-modernidade na qual estamos consiste basicamente numa revisão de comportamento, de paradigmas. Está claro que não temos mais o espírito panfletário de outrora, mas isso não quer dizer que as pessoas de hoje em dia sejam mais ignorantes, quer dizer que existe em nós hoje a consolidação daquela letra dos titãs chamada “Comida”. Hoje em dia não queremos só comida, queremos comida, diversão, balé. Ou seja, esse subjetivismo aponta para um caminho de aproveitar o dia, mas isso não significa que esse carpe dien seja o esquecimento do amanhã.


As pastorais são fruto da Ação Católica. A Ação Católica é conseqüência da modernidade, ou seja, a igreja viu-se obrigada a aceitar a evolução científica, sobretudo das ciências humanas, como parte de sua ação evangelizadora. Essa ação foi protagonizada pelos leigos. Portanto, as pastorais são uma conseqüência da modernidade, de uma certa forma. E a negação das pastorais também é uma conseqüência da pós-modernidade.

No fim das contas, quando uma pessoa diz que vai sair da pastoral alegando desejos pessoas, ela está agindo de forma egoísta, mas também está negando a modernidade aí, sem dúvida. As pastorais ainda trazem muito dos “vícios” da modernidade, e acabam não sendo muito atrativas às pessoas. Falando especificamente da Pastoral da Juventude, estamos hoje em um processo de revisão da forma como fazemos pastoral, para poder aproveitar o que essa geração tem de bom, pois a forma como a PJ era conduzida na década de 80 hoje em dia não vinga mais.

As pessoas largam a pastoral, ou não desempenham um bom trabalho, porque não conseguem enxergar a Pastoral como algo sério. Isso acontece porque as pessoas hoje são mais egoístas, tem vontade de irricar e tal, mas, o que é interessante de analisar também, é que o desinteresse parte também de uma ação obsoleta de muitas pastorais. Hoje em dia as pessoas (falando nesse caso de católicos/as) tendem a não ir à igreja ou a migrar para os movimentos católicos, que bebem do neo-petencostalismo ou são de fato neo-petencostais e isso, ao meu ver (pra não ficar em cima do muro) é negativo.

As pastorais possuem um fator que entendo ser primordial para as pessoas de qualquer época, que é a junção de fé e ciência, fé e vida, algo que, indubitavelmente, não acontece nos movimentos. Tudo bem que as pessoas hoje em dia não tem que ser panfletários, mas isso não quer dizer que elas tenham que voltar a ser cordeirinhos de padres e pastores, de políticos, dos patrões, etc. É fundamental, portanto, que as pessoas reflitam de forma serena sobre o que no rodeia. Até aceito, que as pastorais não fazem isso direito atualmente, mas não significa que elas não tenham mais que fazê-lo. É necessário que as pastorais voltem a ser atrativas e interessantes sem perder a essência, pois a igreja progressista entranhada nas pastorais precisa continuar.

Eu não sou vagabundo. Trabalho, estudo, namoro e faço pastoral (e modéstia a parte faço bem). Assim como eu, várias pessoas conseguem, por isso é possível olhar para si sem esquecer-se do/a outro/a (Mc 12, 31). É possível competir sem esquecer a importância das outras pessoas. E é possível fazer pastoral de forma atraente de forma lúcida, porque não é pelo fato de que a ciência trouxe morte, violência e opressão em escala exponencial que tira o fato de que ela também abriu os olhos das pessoas para o porquê de tudo isso também. Não é voltarmos a ser tolinhos a solução, a solução é conseguirmos conciliar nossa espiritualidade com a razão, porque ambas não são separadas. O ser que racionaliza é o mesmo ser que ora, e ambas são partes que se completam.

Quando uma pessoa sai da pastoral ou não faz pastoral seriamente e usa para tal o argumento de que está trabalhando ou estudando diz em outras palavras pra gente assim: "eu estou trabalhando e estudando, quando vocês deixarem de ser vagabundos façam o mesmo. Ora, quer sair da pastoral? Não quer fazer pastoral direito? Admita que você não consegue dividir seu tempo direito ou que você é egoísta, efêmero e ganancioso, mas não venha dizer que quem faz pastoral direito é vagabundo.

PS: Os movimentos ganham espaço na igreja e as pastorais perdem. Por que será? Será que o clero prefere pessoas que questionam a autoridade clerical ou que pensem que padre, bispo e papa são a voz da verdade? Por que será que a mídia só dá espaço pra padres como Padre Fábio de Melo e Marcelo Rossi e não dá espaço para religiosos de verdade como D. Erwin? Por que não deram voz na mídia a Irmâ Doothy quando ela podia ainda falar?